quinta-feira, 3 de março de 2011

arquivos da revolução


Um site para quem tenha interesse em aprofundar a Revolução Francesa.

quarta-feira, 2 de março de 2011

a morte de um rei

Luís XVI é uma dessas personagens raras que compõem o drama da História nos momentos em que os deuses decidem que ela deve inflectir o seu percurso. Luís Bourbon, feito Rei de França, em 1774, com apenas 20 anos de idade, descendia de uma linhagem que conhecera dois antecessores fortes, Luís XV, seu avô, e Luís XIV, o Rei Sol e seu trisavô, símbolos do Absolutismo que assolava, por essa altura, as monarquias europeias.

Há muito tempo em crise, a França que Luís herdou debatia-se com a bancarrota iminente, a escassez de alimentos, a tensão social resultante da manutenção de privilégios antiquados, uma centralização administrativa e política asfixiante, e, pior do que tudo, com as ideias dos philosophes, onde sobrelevavam Rousseau e Voltaire, que agitavam a opinião pública e punham em causa toda a autoridade.

Luís Capeto (como os revolucionários insistam em chamar-lhe, logo após a sua queda) era um homem pouco ou nada fadado para o governo. Perdia horas nos seu hobby favorito, a carpintaria, caçava, comia fartamente e não era sequer um galanteador, no que desmerecia dos seus ascendentes e tornava insatisfeita a princesa austríaca com quem se casara com a tenra idade de 16 anos. Não querendo governar, Luís XVI rompia a tradição absolutista do último século. E os homens a quem entregou um reino falido pelos gastos sumptuários e incontrolados da corte, não conseguiram conter a tempo o devorismo das elites, tão-pouco com a Revolução a invadir-lhes já os palácios. Na verdade, nem Turgot, vítima das suas políticas reformistas, nem Necker, que generosamente contribuiu para alargar e aprofundar o já de si imenso buraco das finanças do reino, nem Callone conseguiram resultados que pacificassem o país. Ou seja, já nada podia salvar a França da tragédia da Revolução.

Todavia, este carpinteiro feito rei mostrou que era capaz de compreender os sinais da História, o que poucos franceses conseguiram, então, intuir. Aboliu a tortura, concedeu direitos civis plenos aos protestantes, que no reinado anterior tinham sido severamente perseguidos, participou na Guerra da Independência americana (o que, sobretudo, lhe interessava para desequilibrar a rival Inglaterra), não só com dinheiro, mas com homens da sua confiança (dizem que La Fayette terá sido um deles...). Mas, mais significativo do que tudo isto, convocou os Estados Gerias, que não reuniam há quase 200 anos. Este foi, como é sabido, o ponto a partir do qual se desenrolou a Revolução.

As personagens históricas das grandes transições são sempre dramáticas, ambíguas e raramente recebem o elogio dos povos e o reconhecimento da História. Confesso-me, porém, um fascinado admirador destas pessoas que chocam violentamente com a História, e onde encontramos homens como Marcello Caetano, Mikhail Gorbatchev, Chamberlain, Danton. O seu drama resulta de já não pertencerem a um passado que verdadeiramente não chegaram nunca a compreender, e não fazerem parte do futuro que são incapazes de intuir e, menos ainda, condicionar. Todos os esforços que fazem são infrutíferos e todas as tentativas inglórias. Como não conseguem resolver as questões de fundo - como se elas tivessem solução humana - desagradam a todos e não satisfazem ninguém. Não dominam minimamente os acontecimentos, porque eles já escaparam à simples vontade dos homens, mas, ao invés, não têm como lhes escapar. São meras pontes de passagem entre o que está para trás e o que está inevitavelmente a chegar.

Se a História não se apieda destes homens, vale a pena, a nós, homens como eles, considerá-los com humanidade. E se a morte a todos nos torna iguais, a maneira como a enfrentamos torna-nos frequentemente diferentes. A esse propósito, e ao contrário de quase todos os revolucionários que enfrentaram, mais tarde, a guilhotina, o comportamento de Luís XVI foi, perante a sua morte, digno das mais extraordinárias novelas em que se exaltam os heróis. Dela existem três relatos fidedignos: o de Jean-Baptiste Cléry, seu empregado de quarto, o do Abade Edgeworth de Firmont, o seu confessor, que o acompanhou ao cadafalso, e, mais significativa do que estes dois depoimentos, porque insusceptível de qualquer reserva ou dúvida de autenticidade, foi a do infelizmente célebre Charles-Henri Sanson, o carrasco. Este último escreveu as seguintes palavras, um mês exacto após a execução do Rei: “Para ser fiel à verdade, ele aguentou tudo com um sangue-frio e uma força que nos espantaram. Estou convencido que tirou essa força dos princípios da sua religião, porque não poderia haver alguém com mais fé do que ele”. Tinha razão. Na véspera da sua morte, Luís XVI confidenciou ao seu confessor: “Como estou contente por ter conseguido agir de acordo com os meus princípios. Sem eles, onde estaria eu neste momento?”

terça-feira, 1 de março de 2011

sobre vetos

A 11 de Novembro de 1791, em pleno furor revolucionário, Luís XVI, já muito condicionado na sua acção e uma pálida sombra do que poderia ter sido um rei absoluto, vetou um decreto da Assembleia Legislativa Francesa que atacava os emigrés (os aristocratas e demais pessoal político do Ancien Régime fugido para o estrangeiro e suspeito de conspirar conta a Revolução), que determinava o seguinte: «Se não regressarem a 1 de Janeiro de 1792, serão culpados de conjuração, perseguidos, punidos com a morte». Alegou, o Rei, na sua fundamentação, que os artigos do decreto lhe pareciam «não poder compadecer-se com os usos da nação e os princípios duma constituição livre». Tinha razão, como é evidente. A 29 de Novembro do mesmo ano, Luís XVI recebeu novo diploma legislativo da Assembleia, que ostensivamente chocava com a sua consciência moral e religiosa. Tratava-se do juramento cívico imposto aos padres católicos, que, na prática, os passava a considerar funcionários do Estado francês, em vez de permanecerem dependentes de Roma e do Papa. O Rei exerceu o seu direito de veto (que a Constituição de 91, após longo debate na Assembleia que a elaborou, lhe concedera) sobre esse diploma, em 19 de Dezembro seguinte. A 11 de Junho do ano de 1792, dois novos vetos do Rei a outros tantos diplomas da Assembleia sobre os padres refractários. A 20 de Junho, a populaça invade as Tulherias, ameaça fisicamente o Rei, e exige-lhe a supressão dos vetos anteriores. Luís XVI não cedeu. A 10 de Agosto é destituído e guilhotinado a 21 de Janeiro de 93, após um vergonhoso «processo judicial», no qual não teve sequer direito a apresentar testemunhas de defesa. Em face destes episódios, Luís XVI, que a História quase unanimemente considera um rei frouxo, ficou conhecido por «Monsieur Veto». Michelet, um dos grandes historiadores da Revolução de França, considera o momento dos dois vetos do final do ano de 91 o ponto em que se consumou definitivamente o divórcio entre Luís XVI e o povo. Em face disso, o Rei perdeu o trono e, logo em seguida, a cabeça. Mas não perdeu a dignidade, com a qual, de resto, viveu muito bem os seus últimos momentos a caminho da guilhotina.