«Era um desses homens que possuem tantas facetas e tanta profundidade sob cada faceta, que se tornam insondáveis no momento da acção e só vêm a ser compreendidos muito tempo depois dos acontecimentos», escreveu Balzac sobre Joseph Fouché, uma das figuras mais impressionantes da Revolução Francesa, que a atravessou e lhe sobreviveu, tendo sido, segundo muitos historiadores, o primeiro responsável pela queda de Robespierre, pela queda do Directório, e pela ascensão e queda do Consulado e de Bonaparte.
Fouché iniciou a Revolução com uma participação discreta e relativamente moderada, mais próximo da burguesia girondina do que do radicalismo jacobino. Na votação sobre o destino de Luís XVI levada a cabo na Convenção no fim do seu julgamento, Fouché anunciara, na véspera, que votaria contra a pena de morte. No dia seguinte, a votação foi feita por declaração pública de cada um dos deputados por imposição de Marat e Robespierre. Fouché mudou de ideias à última hora...
O reconhecimento pelo seu fervor regicida levou-o até Lion, nomeado pelo Comité de Salvação Pública, como seu representante em missão, juntamente com Collot d’Herbois, um inqualificável facínora. As instruções eram claras: castigar e lançar o terror na cidade que se atrevera a resistir à «liberdade», e para a qual a Convenção determinara a mudança de nome para Ville-Affranchie e a divisa «Lion lutou contra a liberdade; Lion não existe mais». As instruções foram cumpridas a preceito e os dois mandatários da Revolução chacinaram multidões com requintes de crueldade, e sem o vestígio do menor escrúpulo ou hesitação moral. Sobre as façanhas de ambos cometidas nessa cidade, disse, a certo passo, Collot: «Nós fuzilamos duzentos criminosos de uma só vez. E vêm dizer-nos agora que isso foi um crime! Quem não é capaz de ver que esse foi um acto de misericórdia? Quando se guilhotinam vinte culpados, o último a ser executado morre vinte vezes, mas os duzentos que fuzilamos morreram todos ao mesmo tempo».
Regressado a Paris em Abril de 94 por ordem do Comité que o nomeara, Fouché, que não se apercebera, por ter estado muito tempo ausente da cidade, do crescimento político de Robespierre, hostilizou-o de forma que este considerou grave e irremediável. A partir desse momento, Robespierre moveu-lhe uma perseguição implacável, que acabaria fatalmente no cadafalso, não lhe fosse Fouché muito superior em inteligência e falta de escrúpulos. No meio de mil e uma peripécias, entre as quais a mais notável foi fazer-se eleger presidente dos jacobinos à revelia de Robespierre (lugar que ocupo, de resto, por pouco tempo), Fouché foi o principal obreiro do golpe de 9 Thermidor. Ele intrigou na sombra, junto dos deputados da Convenção, dizendo a todos e a cada um deles que estavam na próxima lista de proscritos e condenados de Robespierre. O Incorruptível tentou apanhá-lo e levá-lo a julgamento, mas Fouché não saiu da sombra. Num ataque de cólera durante um discurso aos jacobinos, Robespierre vociferou: «Vil impostor! Conspirador desprezível! Exijo que Fouché seja chamado a julgamento aqui». De nada lhe valeu: dois meses depois era a sua cabeça a cair na guilhotina, às competentes mãos de Sanson.
A cabeça de Fouché continuou solidamente assente sobre os ombros, por muitos e bons anos. Remetendo-se a uma discreta mas muito influente existência durante o Directório, seria um dos obreiros do 18 Brumário e do Consulado Napoleónico. Feito Duque de Otranto e Ministro das Polícias, Fouché montou uma temível rede de informação e espionagem que o tornou temido em toda a França, mesmo até pelo Imperador, que nunca confiou inteiramente nele. Tentando, certa vez, diminuí-lo, Napoleão pergunto-lhe publicamente se ele votara pela morte de Luís XVI. A resposta não se fez esperar: «É verdade, Senhor. Foi esse o primeiro serviço que prestei a Vossa Magestade».
Mas foi Fouché quem sobreviveu a Napoleão e que presidiu à Comission Executive e ao governo provisório de França que negociariam, em fins de Junho de 1815, a segunda abdicação do Imperador e o regresso de Luís XVIII ao poder. Luís XVIII não lhe perdoou o passado regicida, e baniu-o de França no ano seguinte. Em 1820, morre em Trieste, com a respeitável idade, pelo menos para um revolucionário, de 61 anos.
Durante a sua vida, Fouché atravessou incólume pelo menos quatro regimes políticos, que influenciou determinantemente, e foi decisivo na ascensão e queda dos seus protagonistas. Mas mais do que isso: com excepção de Luís XVIII, os governos temeram-no e respeitaram-no. E deram-lhe poder e dinheiro. Muito dinheiro e muito poder.
Consta que, muitos anos mais tarde, António Oliveira Salazar costumava dizer, sobre alguns dos seus adversários a quem fazia ministros, que «os inimigos querem-se por perto». Marcelo, seu sucessor, aplicou a mesma receita com Costa Gomes e Spínola, mas não foi tão bem sucedido. O regime de Abril recebeu e integrou muitos dos quadros do regime deposto, alguns dos quais, não se fazendo rogados, atingiram posições cimeiras na política e no governo. A tradição, em política, não se deve desprezar.
Fouché iniciou a Revolução com uma participação discreta e relativamente moderada, mais próximo da burguesia girondina do que do radicalismo jacobino. Na votação sobre o destino de Luís XVI levada a cabo na Convenção no fim do seu julgamento, Fouché anunciara, na véspera, que votaria contra a pena de morte. No dia seguinte, a votação foi feita por declaração pública de cada um dos deputados por imposição de Marat e Robespierre. Fouché mudou de ideias à última hora...
O reconhecimento pelo seu fervor regicida levou-o até Lion, nomeado pelo Comité de Salvação Pública, como seu representante em missão, juntamente com Collot d’Herbois, um inqualificável facínora. As instruções eram claras: castigar e lançar o terror na cidade que se atrevera a resistir à «liberdade», e para a qual a Convenção determinara a mudança de nome para Ville-Affranchie e a divisa «Lion lutou contra a liberdade; Lion não existe mais». As instruções foram cumpridas a preceito e os dois mandatários da Revolução chacinaram multidões com requintes de crueldade, e sem o vestígio do menor escrúpulo ou hesitação moral. Sobre as façanhas de ambos cometidas nessa cidade, disse, a certo passo, Collot: «Nós fuzilamos duzentos criminosos de uma só vez. E vêm dizer-nos agora que isso foi um crime! Quem não é capaz de ver que esse foi um acto de misericórdia? Quando se guilhotinam vinte culpados, o último a ser executado morre vinte vezes, mas os duzentos que fuzilamos morreram todos ao mesmo tempo».
Regressado a Paris em Abril de 94 por ordem do Comité que o nomeara, Fouché, que não se apercebera, por ter estado muito tempo ausente da cidade, do crescimento político de Robespierre, hostilizou-o de forma que este considerou grave e irremediável. A partir desse momento, Robespierre moveu-lhe uma perseguição implacável, que acabaria fatalmente no cadafalso, não lhe fosse Fouché muito superior em inteligência e falta de escrúpulos. No meio de mil e uma peripécias, entre as quais a mais notável foi fazer-se eleger presidente dos jacobinos à revelia de Robespierre (lugar que ocupo, de resto, por pouco tempo), Fouché foi o principal obreiro do golpe de 9 Thermidor. Ele intrigou na sombra, junto dos deputados da Convenção, dizendo a todos e a cada um deles que estavam na próxima lista de proscritos e condenados de Robespierre. O Incorruptível tentou apanhá-lo e levá-lo a julgamento, mas Fouché não saiu da sombra. Num ataque de cólera durante um discurso aos jacobinos, Robespierre vociferou: «Vil impostor! Conspirador desprezível! Exijo que Fouché seja chamado a julgamento aqui». De nada lhe valeu: dois meses depois era a sua cabeça a cair na guilhotina, às competentes mãos de Sanson.
A cabeça de Fouché continuou solidamente assente sobre os ombros, por muitos e bons anos. Remetendo-se a uma discreta mas muito influente existência durante o Directório, seria um dos obreiros do 18 Brumário e do Consulado Napoleónico. Feito Duque de Otranto e Ministro das Polícias, Fouché montou uma temível rede de informação e espionagem que o tornou temido em toda a França, mesmo até pelo Imperador, que nunca confiou inteiramente nele. Tentando, certa vez, diminuí-lo, Napoleão pergunto-lhe publicamente se ele votara pela morte de Luís XVI. A resposta não se fez esperar: «É verdade, Senhor. Foi esse o primeiro serviço que prestei a Vossa Magestade».
Mas foi Fouché quem sobreviveu a Napoleão e que presidiu à Comission Executive e ao governo provisório de França que negociariam, em fins de Junho de 1815, a segunda abdicação do Imperador e o regresso de Luís XVIII ao poder. Luís XVIII não lhe perdoou o passado regicida, e baniu-o de França no ano seguinte. Em 1820, morre em Trieste, com a respeitável idade, pelo menos para um revolucionário, de 61 anos.
Durante a sua vida, Fouché atravessou incólume pelo menos quatro regimes políticos, que influenciou determinantemente, e foi decisivo na ascensão e queda dos seus protagonistas. Mas mais do que isso: com excepção de Luís XVIII, os governos temeram-no e respeitaram-no. E deram-lhe poder e dinheiro. Muito dinheiro e muito poder.
Consta que, muitos anos mais tarde, António Oliveira Salazar costumava dizer, sobre alguns dos seus adversários a quem fazia ministros, que «os inimigos querem-se por perto». Marcelo, seu sucessor, aplicou a mesma receita com Costa Gomes e Spínola, mas não foi tão bem sucedido. O regime de Abril recebeu e integrou muitos dos quadros do regime deposto, alguns dos quais, não se fazendo rogados, atingiram posições cimeiras na política e no governo. A tradição, em política, não se deve desprezar.
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