domingo, 23 de maio de 2010

a paixão pela educação

Marie Jean Antoine Nicolas de Caritat
O modelo educativo português, que seguimos, pelo menos, desde a implantação da República, é seguramente o mais marcante vestígio ideológico da Revolução Francesa na nossa mentalidade social e política. Esse modelo é estatista, porque pretende que o estado monopolize a educação, ou através de uma rede pública de escolas, ou da imposição dos seus valores e das suas regras às escolas particulares, e vê a educação como um meio para a formação de cidadãos e não de indivíduos. Estas duas características são dominantes no nosso sistema de ensino – desde o infantil ao superior – e atravessam todo o século passado e aquele em que vivemos. Na verdade, quer na República, quer no Estado Novo, quer na III República, a Escola tem sido essencialmente um veículo de transmissão dos valores que o estado quer, em cada momento, transmitir à sociedade, formando cidadãos, isto é, pessoas que se identificam com esses valores públicos e com o estado que os promove (sucessivamente o republicanismo, o anticlericalismo, a laicização, o nacionalismo antidemocrático, o socialismo e a democracia social e estatista), em vez de formar indivíduos, transmitindo valores éticos e conhecimentos que os habilitem a pensar autonomamente. Por isso também, os três regimes nunca abdicaram do primado do ensino público, sobretudo na Universidade, onde se propricia a formação das consciências. A República, Salazar e Abril tiveram e tem este último uma aversão profunda à educação privada, isto é, toda a que se realiza fora do estado. Herdaram-na da Revolução Francesa, por cujos valores orientaram e orientam o seu sistema e as suas políticas educativas.

Muito antes de 1789, ainda na França absolutista, já o país debatia vigorosamente a educação, as funções que lhe cabiam cumprir, o modelo que deveria seguir, os métodos pedagógicos mais eficazes, a natureza laica ou eclesiástica das temáticas, e, socretudo, o papel histórico da Igreja na formação e administração das escolas e o futuro que deveria desempenhar nessa importante actividade social. Os philosophes anteriores à Revolução não foram estranhos a este debate. O espírito das «luzes» impele-os a afastarem-se de uma educação que, como escreve Georges Gusdorf (Le fin de l’éducation), cuide de «preparar os espíritos cultivados capazes de brilhar na boa sociedade», dando a sua preferência a um modelo educativo que se destine a formar «cidadãos úteis, suscetíveis de contribuir à empreitada coletiva da civilização», conclui. Desde logo, Rousseau, com o Émile, ou Da Educação, livro no qual fazia a defesa de uma pedagogia naturalista, distanciada dos vícios adquiridos pelo homem na vida em sociedade. Uma educação eminentemente moral que reforçasse a criança, para que ela pudesse enfrentar, no futuro, um mundo corrupto e desviante. Para Rousseau este naturalismo educativo e pedagógico tinha por finalidade essencial formar os futuros cidadãos capazes de exercer a soberania, que compreendessem e contribuissem para a formação da vontade geral. Por outras palavras, para o estado.

Mas outros pensadores contribuiram, antes da Revolução, para este debate, muitos deles com sugestões e animosidades bem menos especulativas do que a de Rousseau. Entre eles, La Chalotais (Louis-René de Caradeuc de La Chalotais: 1701 – 1785), autor do Ensaio sobre a Educação Nacional. Como todos os autores que pretendiam, nessa época, inovar, La Chalotais defendia a secularização da educação, retirando-a à Igreja e entregando-a ao Estado. Todavia, é devid a Condorcet (Marie Jean Antoine Nicolas de Caritat, Marquês de Condorcet: 1743 – 1794) a teoria geral da educação que marcaria o espírito da Revolução e dos tempos vindouros, neles se incluindo os nossos.

Condorcet foi um dos derrareiros filósofos das «luzes». Segundo Michelet, terá mesmo sido «o último dos filósofos». Matemático, aristocrata com ideias liberais, amigo e companheiro de Turgot sobre quem escreveu uma biografia laudatória (Vie de M. Turgot), aderiu à Revolução sem ser um revolucionário, menos ainda um político. Acreditava firmemente na educação como força motriz das transformações sociais, e, eleito deputado ainda na Assembleia Nacional, submete-lhe um projecto de instrução pública e um outro de uma Constituição (este último elaborado com Thomas Paine). Ambos foram reprovados por influência de Robespierre. Em bom rigor, o projecto de instrução pública padeceu do veto à Constituição, que Robespierre considerava moderada e à qual haveria de contrapor a sua, aprovada em 93. Todavia, em quase nada ele desmerecia do espírito da época e da prórpia Revolução. Essa proposta fundava-se numa obra que Condorcet publicou em 1791, intitulada Cinq Mémoires sur l 'instruction publique, na qual defendia que a desigualdade da educação era uma das «principais fontes da tirania». Por essa razão, ele entendia que a instrução era uma obrigação social que o estado devia assumir. A educação pública, universal, laica e distanciada da Igreja era assim «un devoir de la société à l'égard des citoyens», como o autor defende ao longo da primeira das cinco partes das Cinq Mémoires, toda ela dedicada à instrução enquanto bem e serviço público. Morreria no cárcere de Bourg-Clamart (ao que se julga cometendo suicídio com um veneno que lhe foi facultado por Pierre-Jean George Cabanis, seu companheiro de presídio), para o qual fora remetido em Março de 94, após uma fuga de oito meses, sob a acusação de conspirar contra a República que lhe foi movida por François Chabot, em Julho de 93, um dantonista obtusamente adversário dos girondinos, que seria ironicamente guilhotinado com Danton sete dias depois.

Condorcet não assistiria ao triunfo inequívoco das suas ideias, não só em França, como na grande maioria dos países europeus, entre eles Portugal. Infelizmente, elas assistem ao espírito que orienta a educação de cariz estatista que é o nosso. A educação forma os cidadãos da República, imprime-lhes os seus valores, em vez de contribuir para a formação de indivíduos autónomos da ideologia do regime, isto é, de verdadeiros homens livres. As suas ideias eram, contudo, as da Revolução. A 13 de Agosto de 93, num discurso à Convenção, Danton proclamava-as: «O filho do povo será criado às custas do supérfulo dos homens de fortunas escandalosas», dizia. «Ao semear no vasto campo da República», continuou, «não deveis contar o preço da semente. Depois do pão, a educação é a primeira necessidade do povo! Meu filho não me pertence, ele é da República!» Uns meses antes, a 19 de Abril, afirmara perante a mesma assembleia: «A educação pública é uma dívida social que é preciso saldar desde que os vossos esforços lograram derrubar o despotismo e o reinado dos padres.» E Saint-Just, nas suas medíocres Instituições Republicanas, indo mais longe no estatismo, antecipava em boa medida os excessos do modelo comunista, ao defender a tutela das crianças pelo estado desde pequena idade, impondo-lhes uma educação «cívica», desde a transmissão das regras da moral republicana, até à imposição de hábitos alimentares (vegetarianismo!) e sexuais (virgindade feminina até à idade adulta). De todo em todo, é o mesmo espírito com variações de grau: a educação como bem público gerido pelo estado.

Esses princípios são inscritos na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão aprovada pela Convenção, ironicamente, em pleno Terror (a versão original, de 89, não os incluía, dada a sua natureza essencialmente burguesa e garantística dos direitos fundamentais de primeira geração, conforme a tradição constitucional da época, e não de direitos sociais). Diz expressamente o seu artigo 22º: «A instrução é uma necessidade de todos. A sociedade deve favorecer com todo o seu poder o progresso da inteligência pública e colocar a instrução ao alcance de todos os cidadãos.» Onde se lê «sociedade» deverá ler-se «estado», como por experiência própria infelizmente sabemos.

terça-feira, 18 de maio de 2010

jacobinos

Michel Vovelle, catedrático de História da Revolução Francesa na Sorbonne e Director do Instituto da História da Revolução Francesa, publicou, em 1999, um livro interessante sobre o seu tema de eleição intitulado «Les jacobins: de Robespierre à Chevènement». Verdadeiramente, o livro não começa em Robespierre e é aí que ganha verdadeiro interesse. Para quem julga que o jacobinismo começa e termina com o Incorruptível e quiser prescindir de obras de maior fôlego, este livro é um auxiliar necessário.

Não sendo uma análise original (Michelet já a fizera antes), a perspectiva de Vovelle sobre o jacobinismo divide-o, pelo menos, em três fases a ter em conta: a) o jacobinismo primitivo; b) o jacobinismo misto; c) o jacobinismo de 1793.

A primeira fase é a da fundação do clube no Convento de São Tiago (Saint-Jacques), na velha Rua de Saint-Honoré, e nele predominava um grupo de raíz parlamentar e de elevada posição social (alguma nobreza, alta burguesia), onde se incluiam Duport, Barnave e Lameth, mas também Condorcet, Cazotte, Aiguillon, e mesmo até Mirebeau e La Fayette. Ao Clube pertenciam já Robespierre e Brissot, os futuros líderes jacobino e girondino, cujo confronto levaria à queda do segundo e à ascensão do primeiro à chefia do Comité de Salvação Pública, embora as suas presenças não fossem ainda dominantes. Esta fase estende-se até ao fim de 90, e é marcada pela defesa da monarquia constitucional, do voto censitário e de um entendimento da Revolução como um processo de reforma do regime e não da sua radical destruição. Nesse sentido, o directório do Clube publicou uma circular em Janeiro de 91, onde se podia ler: «A revolução está terminada, o império das leis está consagrado, somente a sua execução tranquila pode consolidar a Constituição.» Como todos sabemos, não foi isso que veio a suceder.

Em Junho de 91, com a fuga de Luís XVI para Varennes, consagrou-se a cisão entre os dois grupos do Clube, os «moderados» e os «democratas». A 16 de Julho, Antoine Barnave constituiu uma nova Sociedade dos Amigos da Constituição, para a qual levou a maior parte dos jacobinos institucionais, nomeadamente os deputados da Assembleia Nacional. Esse novo Clube ficou conhecido pelos «feuillants», devido também ao local onde decorriam as reuniões, o Convento dos Feuillants de Paris, na mesma Rua de Saint-Honoré onde reuniam os Jacobinos, agora com a presença ascendente de radicais como Robespierre, Pétion, Brissot e Buzot. Deste grupo, que não era homogéneo, que aceitava discutir a eventual substituição do Rei, mas não era uniforme na defesa da República nem o fim da Monarquia, surgiriam os Girondinos e os Jacobinos da terceira vaga, isto é, do Ano II.

Durante a segunda fase do jacobinismo, que vai da cisão de Julho de 91 a Agosto de 92, sobreleva a separação progressiva entre o Clube e o Parlamento, arrastando o primeiro para uma sociedade popular, assente no predomínio «sans-culotte». A segunda cisão que o Clube haveria de conhecer, que provoca a exclusão da Gironda, segue esse meridiano: os girondinos defendem a ordem parlamentar estabelecida, os jacobinos stricto sensu advogam a revolução popular e radical. Se em 29 de Julho de 92 Robespierre acentuava as diferenças pedindo, em discurso no Clube, a destituição do Rei e a eleição de uma Convenção por sufrágio universal e não já pelo tradicional sufrágio censitário, o golpe revolucionário de 10 de Agosto seguinte, levando à queda de Luís XVI, consumou a inevitável separação. A partir desse momento, a cena pertence, por inteiro, a Maximilien Robespierre.

A consumá-la o Clube mudaria de nome para Sociedade dos Jacobinos Amigos da Liberdade e da Igualdade. A Constituição era posta à margem, o que, de resto, o Clube se encarregaria de fazer com a sua substituição por um documento revolucionário, em 93, que nunca chegaria a vigorar na ordem jurídica. Os jacobinos abandonam definitivamente a legalidade, ainda que revolucionária, e entregam-se decididamente ao poder popular. O domínio pertence agora a Couthon, Saint-Just, Dumas, Billaud-Varennes, Coullot d’Herbois, mas, sobretudo, a Robespierre, que tem no Clube o seu refúgio, ao qual recorre quando se sente inseguro na Convenção ou mesmo no Comité.

Foi exactamente o que ele fez na noite de 8 Thermidor, no último discurso público que proferiu perante uma assembleia. Consciente do perigo em que se encontrava, embora ainda embevecido com a sua oratória que julgava capaz de inverter todas as dificuldades, dirigiu-se aos jacobinos, dramatizando os reveses da manhã na Convenção, e dizendo-lhes no fim de um longo discurso: «Eis meu testamento. Meus inimigos, ou antes, os da República, são tão numerosos e tão poderosos que não poderei escapar por muito tempo aos seus golpes.» Estava, involuntariamente, certo: no dia seguinte a Convenção já o não quis esctutar. O derradeiro golpe viria dois dias depois, executado pela experiente mão de Samson.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

bancarrota

Turgot não conseguiu manter-se por muito tempo no governo de S.ª Majestade, o Rei Luís XVI, que o nomeara Controlador-Geral do Reino a 24 de Agosto de 1774. Ele sabia que as suas ideias, próprias de um fisiocrata e de um verdadeiro liberal, podiam ser simpáticas nos debates diletantes da corte e da burguesia ascendente, mas afugentavam os detentores do poder político da França do seu tempo. Turgot acreditava no livre-comércio, quando as corporações exigiam proteccionismo; não queria aumentar impostos, quando a Corte via neles o único meio de se sustentar; pugnava pelo fim dos velhos privilégios fiscais da aristocracia e do clero, contra o que estas duas importantes ordens sociais estavam dispostas a ceder; desejava pôr fim ou reduzir substancialmente os impostos reais, como a talha, e eclesiásticos, como o dízimo, e opôs-se firmemente à corveia (um imposto pago ao rei e à nobreza territorial traduzido em alguns dias de trabalho gratuíto por ano, sem qualquer retribuição ou compensação) e, pior de tudo, exigia que a França fosse rigorosa nas suas despesas, não gastasse mais do que tinha disponível (na verdade, já nessa altura, quase nada), e não se endividasse contraindo empréstimos no estrangeiro. Turgot era um verdadeiro liberal clássico, admirado, nos nossos dias, por homens como Rothbard e Hayek, e estava claramente desinserido do seu tempo. Quando assumiu as suas funções no governo, estabeleceu três objectivos prioritários: evitar as falências, o aumento dos impostos e os empréstimos. «Para satisfazer esses três pontos, só há uma maneira. Reduzir os gastos a um nível inferior aos das receitas», escreveu ele ao Rei. Em 12 de Maio de 1776, menos de dois anos após a sua nomeação, estava demitido.

Foi sucedido por Necker, Jacques Necker, banqueiro e economista suiço, que não simpatizava com o liberalismo de Turgot. Necker dominou as finanças francesas em três mandatos, dos quais foi também por três vezes demitido: de 1776 a 81, de 88 a 89 e ainda novamente em 89 até 3 de Setembro do ano seguinte. Como um bom banqueiro, aplicou-se a procurar e a obter crédito para o seu cliente, o estado francês. Proteccionista, impôs medidas restritivas ao comércio externo e programas de incentivos às importações. E, apesar de alarmado com o despesismo da Corte, foi incapaz de o conter.

Por essa altura, a França gastava desalmada e alegremente. Calcula-se que as despesas pessoais da corte, da alta nobreza e da administração pública do reino consumiam praticamente um quarto do orçamento geral do reino. No começo da Revolução, em 89, a dívida externa do país ascendia a 3 biliões e 119 milhões de libras. Alguns meses após somava-se-lhe mais um bilião. Ou seja, à dívida acumulada do Ancien Régime, acrescentavam-se agora os custos da Revolução, sobretudo os decorrentes das reformas dos antigos privilégios. A França estava, no fim de 89, à beira da bancarrota e ninguém parecia ter solução para isso.

Foi Talleyrand, na altura ainda padre católico, quem se lembrou de nacionalizar os bens da Igreja para pagar a dívida da França. Segundo ele, esses bens tinham sido doados, ao longo dos tempos, pelos fieis à Igreja, isto é, ao próprio conjunto dos crentes, logo, à nação que agora os reclamava numa situação de emergência. Não eram pertença da hierarquia e deviam estar à disposição da pátria. Entre 2 de Novembro de 89 e 19 de Abril do ano seguinte, a Assembleia Constituinte nacionalizou e assumiu a gestão de todos os bens da Igreja. Para conseguir liquidez, sendo impossível a venda imediata de todos esses bens, o governo montou uma operação ardilosa, criando os célebres assignats, títulos de empréstimo ao estado garantidos pelos bens confiscados, para vender aos cidadãos franceses, garantindo-lhes um juro anual de 5%. A venda posterior desse património permitiria pagar os empréstimos, e à medida que os assignats regressassem à Caisse de l’Extraordinaire (a Caixa de Descontos, que fora expressamente criada para esta operação), deveriam ser queimados, ficando a dívida nacional paga.

Só que os assignats não foram queimados, à medida que regressavam à Caixa donde tinham saído. Pelo contrário, começaram a ser impressos desalmadamente, perdendo qualquer relação real com o valor dos bens que os deviam garantir. Acabam por se transformar no papel moeda de França, e, em consequência do aumento de papeis em circulação, perderam valor. Só em três anos, de 90 a 93, perderam mais de 60% do seu valor facial. A partir de 93, em pleno Terror, o Comité de Salvação Pública decretou todas as medidas possíveis e imaginárias para tentar salvar e manter algum valor à moeda da Revolução. Chega ao limite, em Setembro desse ano, de decretar a pena de morte a quem recusasse pagamentos nessa moeda.

A Revolução Francesa não inaugurou os expedientes modernos com os quais os governos dos nossos dias costumam tratar das crises financeiras em que lançam os seus países. Mas o governo revolucionário jacobino lançou mão de um conjunto de medidas que praticamente as juntou a todas, elevando-as a um paroxismo do disparate raramente igualado de novo: novos empréstimos (100 milhões em 5 de Setembro de 93); emissões descontroladas de papel-moeda, os célebres assignats (2 biliões em 28 de Setembro de 93, 1 bilião e 205 milhões em 19 de Junho de 94); novos impostos sobre os “ricos” (11 de Novembro de 93, destinado aos “ricos” de Nancy, numa medida decretada apenas por Saint-Just...); estabelecimento de preços e valores máximos para certos produtos e serviços (cereais, em 11 de Setembro de 93, géneros de primeira necessidade e salários, em 29 de Setembro do mesmo ano, esta última lei conhecida pela «Lei do Máximo»); confisco e nacionalização da propriedade («Decretos do Ventoso», de Março de 94); criminalização violenta de actos considerados ilícitos económicos (pena de morte para os açambarcadores em 27 de Julho de 93; pena de morte para quem rejeitasse os assignats e recompensa para os seus delatores); etc.

Somadas às loucuras do Ancien Régime, as loucuras da Revolução levaram a França à efectiva bancarrota. A guerra permanente com o estrangeiro agravou a situação. O governo revolucionário recusava responsabilidades na crise, imputando-as a todos os seus inimigos reais e imaginários. A culpa era dos emmigrés, dos conspiradores internos, dos contra-revolucionários, dos aristocratas, de Dumouriez, Pitt, dos credores, em suma, de todos menos de quem a provocara ou agravara irremediavelmente. Esta cultura de despesismo e irresponsabilidade deixou um traço profundo na mentalidade de muitos países que sofreram a influência da Revolução. Portugal não constituiu, nem constitui, uma excepção.